terça-feira, 23 de maio de 2023

Monotrilho

O VLT de Salvador

22/05/2023 - Bahia Notícias

Por Bruno Leite

Sob passos lentos desde que foi autorizada a ordem de serviço, em dezembro de 2019, a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) do Subúrbio está com o contrato em processo de rediscussão. A decisão é um desdobramento da visita do governador do estado, Jerônimo Rodrigues (PT), à China, em abril deste ano, e foi confirmada pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Sedur) ao Bahia Notícias, através de nota, na última quinta-feira (18).

De acordo com o órgão, os técnicos estão se debruçando nos detalhes da obra e na rediscussão dos termos do acordo. Reuniões estão sendo tocadas entre os representantes do Consórcio Skyrail Bahia, composto pelas empresas Build Your Dreams (BYD Brasil) e Metrogreen, e demais membros da administração estadual encarregados de acompanhar a execução do novo meio de transporte.

A medida, explicou a Sedur, visa a retomada efetiva da construção do modal que ligará a capital ao município de Simões Filho e será o substituto da antiga malha ferroviária que servia a região mais ao norte da península soteropolitana.

Consultado, o Skyrail Bahia informou nesta segunda-feira (22) que os entendimentos entre as duas partes seguem em andamento e estão em conformidade com as normas do contrato de Parceria Público-Privada (PPP). "As obras do VLT são complexas e o cronograma vigente está sendo rediscutido entre as esferas do governo para ser retomado", justificou a empresa responsável pela implementação e operação do sistema.

POSSÍVEL MUDANÇA NO MODELO

Durante a passagem pelo país asiático, Jerônimo conheceu, em 10 de abril, o VLT de Chongqing, concebido pela BYD em outro modelo de monotrilho, o Shuttle - construído com vigas de aço (ao invés de concreto, como no modelo atual, o Skyrail) -, para que este pudesse servir como uma alternativa, reduzindo assim o prazo e o custo de implantação.

O entendimento dos chineses era de que o modelo, apesar de possuir menor porte, apresentava capacidade para ser adaptado e cumprir a demanda contratada (de 600 passageiros por trem e até 210 mil passaheiros por dia), não necessitaria de alteração dos projetos das estações e dispensaria a eletrificação dos trilhos.


Jerônimo no VLT de Chongqing | Foto: Daniel Senna/GOVBA


Na oportunidade, uma reunião foi convocada por Rodrigues junto ao secretariado. Participaram do encontro o vice-governador Geraldo Júnior (MDB), e nomes da Sedur, Procuradoria-Geral do Estado da Bahia (PGE), Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB), Secretaria de Infraestrutura da Bahia (Seinfra), Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (Sefaz) e da Casa Civil para discutir a nova proposta.

Considerações foram feitas pelos membros do governo na ocasião e uma segunda incursão, desta vez para avaliar o VLT de Shenzhen, cidade que sedia a BYD, foi organizada no dia seguinte (11 de abril). O modal em questão também foi construído nos moldes de um Shuttle. Naquela data, uma conferência entre empresários e o governador foi realizada.

VLT de Shenzhen | Foto: Daniel Senna/GOVBA


PARECER TÉCNICO DA CTB

Depois da viagem, ao opinar sobre a proposta, a CTB pontuou, num relatório ao qual a reportagem teve acesso, que a proposição apresentada pela companhia chinesa impossibilitava uma avaliação técnica conclusiva sobre a vantajosidade ou até mesmo aderência ao contrato de concessão firmado.

Alguns aspectos foram levantados pelo órgão ao analisar os argumentos do consórcio Skyrail Bahia, a exemplo do aprofundamento de estudos elétricos - dada a alegação de que o Shuttle iria proporcionar uma economia na tarifa de energia -, a necessidade de agentes embarcados para orientação em detrimento da automação prometida pelo novo modelo, e comprovações técnicas de que haveria adesão dos níveis de conforto e condições ambientais nos novos padrões de construção propostos, da maneira como foi exigido no contrato.

Projeto atual do VLT do Subúrbio | Foto: Reprodução / Skyrail Bahia

A manutenção das licenças ambientais atuais, a necessidade de outras desapropriações e a dita agilidade no tempo de execução também foram questionadas pela CTB, uma vez que, dentre outros aspectos na execução do projeto, o prazo de 28 meses permanece o mesmo que o contratado (apesar da proposta de alteração no modelo) e as características das estruturas poderão ser modificadas.

A Companhia de Transportes do Estado da Bahia também indicou que a existência de sistemas como o que foi apresentado ao estado no país asiático é um ponto positivo, mas que seria necessário, por parte da concessionária, demonstrar na prática o desempenho e a amplitude dos modais que se encontram em operação para que isso possa apoiar o processo de tomada de decisão pelo governo.

Projeto atual do VLT do Subúrbio | Foto: Reprodução / Skyrail Bahia

O parecer técnico apontou ainda para a carência de outros dados, a serem sanados durante a rediscussão do contrato, e concluiu que a alteração tecnológica exposta pela parte concessionária poderá fazer com que haja uma revisão completa do contrato.

Provocada a se manifestar sobre a mudança no projeto, a Skyrail Bahia disse não confirmar a informação.

IMBRÓGLIO HISTÓRICO

Esta não é a primeira vez que o VLT do Subúrbio tem o modelo alterado. Em 2018, antes da escolha da empresa que iria construir, por conta de questionamentos acerca das especificações técnicas permitidas para edificação do sistema presentes no edital de licitação, o pleno do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA) decidiu, como medida cautelar, pela suspensão do certame que estava em curso.


Mudanças no projeto inicial foram questionadas pelo TCE-BA e assunto foi parar na Justiça | Foto: Reprodução/GOVBA


O entendimento do TCE-BA foi de que houve alteração do objeto - de Veículo Leve sobre Trilhos para monotrilho - e que isso poderia implicar na revisão da viabilidade financeira do projeto. Após o ocorrido, em janeiro de 2019, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) considerou a licitação regular e concedeu uma liminar ao governo estadual, permitindo a continuidade do processo.

CUSTO DO VLT

Outra situação que entrou no repertório de queixas feitas ao VLT do Subúrbio foi a inclusão de aditivos ao contrato, tornada pública numa audiência promovida pela Câmara de Municipal de Salvador em março do ano passado, e que aumentou o valor previsto inicialmente em 247%. Conforme apurou o Legislativo, o montante desembolsado para a obra passou de R$ 1,5 bi para R$ 5,2 bi, e o contrato atualizado estendeu o prazo de intervenção em 15 anos.

Na época, a Sedur argumentou que um termo acrescido ao acordo em fevereiro de 2020, dentre outros objetivos, buscava autorizar a concessionária a implantar e, posteriormente, operar a fase 2 do VLT, integrando-o ao Sistema Metroviário de Salvador e Lauro de Freitas. Como prevê a PPP, o estado irá bancar, após as mudanças, R$ 390 milhões no investimento inicial. A Bahia também irá arcar com o pagamento demais R$ 150 milhões após o início da operação.


sábado, 6 de maio de 2023

Monotrilho

810 dias sem trem: obras do VLT não avançam e Subúrbio Ferroviário sofre sem o modal

Cenário é de abandono no Subúrbio Ferroviário; moradores reclamam 
Foto Arisson Marinho / Correio


06/05/2023 - Correio

Soteropolitanos gastam quase dez vezes mais em transporte sem o trem

"É cheio, demora mais e ainda custa caro", afirma Nair Silva, 43 anos, moradora de Plataforma e que há pouco mais de dois anos precisou trocar o trem pelo ônibus para chegar na Calçada, onde frequentemente faz compras. Isso porque o trem, que funcionava há 160 anos ligando a Calçada a Paripe com dez estações, teve a operação interrompida há 810 dias. Em seu lugar, a esperança é o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), com previsão de início do funcionamento para o segundo semestre do ano de 2024. 

Porém, a obra parece não ter saído do lugar, segundo moradores do Subúrbio Ferroviário. "Lá a gente não vê nenhuma mudança, a estação toda abandonada sem nenhuma obra. Aqui na Calçada fizeram só botar os tapumes aí, mas eu também não vejo avanço. Enquanto isso, a viagem que eu fazia em 20 e poucos minutos, às vezes, leva até 1h30 a depender do engarrafamento", lamenta Nair.

E não é só em Plataforma que não se vê sinal de VLT chegando. Seja na Calçada, no Lobato, Escada, Periperi ou Paripe, só há estações fechadas, sem ação de máquinas ou trabalhadores.

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Sedur), que acompanha o processo de construção, foi procurada para informar sobre prazos, atrasos e o cronograma de execução do VLT, e enviou uma nota (leia abaixo na íntegra).

"Os entendimentos entre o Governo do Estado e a Skyrail Bahia, braço da Build Your Dreams (BYD), para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que vai substituir os antigos trens do Subúrbio Ferroviário de Salvador, seguem em andamento, em conformidade com as normas do contrato de Parceria Público-Privada (PPP). Os avanços na construção do modal foram impactados também pela variação dos preços dos insumos. 

As obras do VLT são complexas e o cronograma vigente está sendo rediscutido entre as esferas do governo para ser retomado. Até o momento, foram realizados serviços preliminares, como topografia, sondagens, implantação de canteiros e elaboração de projetos executivos.

A construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) será realizada por meio de um consórcio na modalidade Parceria Público-Privada (PPP), entre o Governo da Bahia e a BYD. A Skyrail Bahia será a responsável pela implantação, operação e manutenção do modal, que transportará 172 mil pessoas por dia. A estrutura de baixo impacto ambiental proporcionará uma nova realidade ao Subúrbio Ferroviário de Salvador.

Em relação aos trens, parte deles foram doados para restauração e serão destinados a projetos culturais e memorial da ferrovia baiana e outra parte vendida, por meio de leilão público. Já as estações foram demolidas, sendo mantidas apenas as Estações da Calçada e de Periperi, que atualmente são de responsabilidade compartilhada entre a CTB e Skyrail Bahia".

Apesar do Estado atuar como fiscalizador, a obra do sistema VLT é uma Parceria Público-Privada (PPP) e a implantação do novo modal é de responsabilidade da Skyrail Bahia. Procurada, a empresa informou que os entendimentos com a gestão estadual seguem em andamento para que a construção do modal se torne viável. Destacou ainda que não se trata de um processo simples de ser conduzido.

"As obras do VLT são complexas e o cronograma vigente está sendo rediscutido entre as esferas do governo para ser retomado. Até o momento, foram realizados serviços preliminares, como topografia, sondagens, implantação de canteiros e elaboração de projetos executivos", respondeu a Skyrail em nota, sem falar sobre os prazos para conclusão do projeto.


As obras do VLT não avançam


Dor no bolso

Enquanto isso, quem pagava R$ 1 para ir e voltar de trem, sofre para conseguir desembolsar quase R$ 10 para fazer o mesmo percurso, como conta Jucineide de Santana, 47, que mora do lado da antiga estação do Lobato. 

"Tem gente que eu conheço aqui que sai do Lobato e vai até a Calçada andando porque não tem o dinheiro do transporte. Com R$ 1, era mais acessível para todos. Eu sei que estava capenga, mas pelo menos existia. Agora, a gente não tem nada. O povo do Lobato sentiu muito isso", afirma.

O problema é parecido em Periperi, onde mora Maurício Sampaio, 36. Ele trabalha na Calçada e precisa ir todos os dias até o local. Antes do fim do trem, as contas não apertavam por causa do transporte. Agora, é mais uma dor de cabeça com a qual ele precisa lidar no dia a dia.

"O trem faz muita falta por conta do gasto. Eu hoje pago praticamente dez vezes mais do que há dois anos para chegar na Calçada. Os R$ 10 podem parecer pouco, mas se você contar que é o mês todo prejudica demais. Ainda mais nessa situação de comida tão cara como está. Fica difícil para quem tem que cuidar da família", reclama o ambulante.

Comércio esvaziado

Seja em uma ponta [na Calçada] ou na outra [em Paripe] dos trilhos, a ausência do modal impacta também quem nem entrava nele, mas dependia da sua operação para ver o trabalho dar certo. Marivaldo Paixão, 57, vende pimentas ao lado da estação de Paripe há mais de 10 anos. Segundo ele, a diferença após a desativação é motivo para chorar.

"A venda caiu mais de 80%, hoje a gente vende mais para comer mesmo. Foi como se tirasse nossos pés e mãos. O trem que era o movimento. De cinco em cinco minutos, isso aqui parecia o Carnaval de cheio. Hoje você vê como está aí. Vinha cliente do Subúrbio todo com R$ 1. Quem vai vir precisando pagar R$ 10 e ainda com todo transtorno de ônibus?", questiona.

Fernando Sena, 57, trabalha como ambulante na Calçada há mais de 30 anos. Além do impacto no movimento do local, ele afirma que as questões financeiras derrubaram as suas vendas em mais de 50% desde o fim do trem. 

"Antes, o cara tinha R$ 5 no bolso, conseguia vir e voltar de trem e ainda pegava R$ 2 de aipim ou outra coisa. Na segunda, eu comprava dez caixas de maçã e sexta tinha que pegar mais cinco pro final de semana. Agora, pego cinco caixas e ainda fica sobrando a semana inteira", conta.

Trilho de complicações

Os problemas de Fernando e Marivaldo parecem não ter data para acabar se dependerem da chegada do VLT. Sobre os problemas para a efetiva construção da nova forma de transporte, a Skyrail justifica o atraso afirmando que "os avanços na construção do modal foram impactados também pela variação dos preços dos insumos" que aumentaram após a assinatura de contrato para execução.

Essa não é a primeira vez que os valores viram motivo para novas discussões entre o público e privado na construção do modal. Em junho de 2022, como mostrou a coluna Satélite, o consórcio chinês Skyrail ameaçou abandonar a obra em curto prazo caso o governo do estado se recusasse a injetar ao menos R$ 1,5 bilhão em aditivos ao contrato de concessão firmado.


Problemas não deixam obras avançarem
Foto Arisson Marinho/Correio


Antes disso, em janeiro do mesmo ano, as obras chegaram a ser paralisadas, ainda de acordo com a coluna Satélite. O motivo seria a resistência do então governador Rui Costa (PT) em ceder às pressões do consórcio por mais verba além do que já estava previsto em contrato no primeiro momento. Barreira legais, no entanto, impediram que o rompimento da PPP.

Por isso, a Skyrail Bahia será a responsável pela implantação, operação e manutenção do modal. A primeira fase do VLT prevê a construção de 21 estações que começam no Comércio, correm todo o Subúrbio Ferroviário e terminam em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). A segunda fase leva o modal até a estação Acesso Norte do metrô da capital.